"A greve das federais, certamente, se configurou como
uma das mais importantes lutas do período recente do movimento
educacional brasileiro. Mobilizou professores, estudantes e funcionários
técnico-administrativos. Pautou o debate da educação questionando o
modelo neodesenvolvimentista em curso, colocando em xeque a proposta de
plano de carreira produtivista para os docentes e reivindicando
condições de trabalho dignas para os/as trabalhadores/as.
É importante agora realizarmos uma avaliação da greve
buscando extrair os elementos centrais desse processo para a juventude
universitária, seus erros e acertos, identificando os desafios do
movimento estudantil para o próximo período.
Novos lutadores e lutadoras do povo.
Em qualquer balanço, esta greve aparece como um marco
histórico para as universidades brasileiras. A greve foi um processo
importante de mobilização. Seu maior mérito foi
colocar em movimento uma nova geração de jovens estudantes que acabaram
de entrar nas Universidades e Institutos Federais. Esta mesma geração
nasceu na década de 90, no auge do neoliberalismo, do sucateamento e
desestruturação do ensino, do descenso das lutas de massa.
Essa juventude, em sua maioria, teve sua primeira
experiência organizativa na greve, se formando enquanto militante social
na pedagogia da luta. Findada a greve, é importante darmos consequência
a esse processo de formação, reforçando o trabalho de base,
fortalecendo os vínculos entre os estudantes e as suas entidades
representativas, para assim acumularmos forças e termos condições de
disputarmos na sociedade o nosso projeto de nação.
É neste movimento que podemos nos forjar enquanto
novos lutadores e lutadoras do povo brasileiro, dando continuidade à
luta pela transformação radical da sociedade. Nos lançamos ao desafio de
protagonizarmos as lutas sociais, e fomos, estudantes e trabalhadores,
protagonistas desta greve! A partir de pautas especificas e gerais,
nacionais e locais, construímos lutas e mobilizações, dialogamos com a
sociedade e pautamos a urgente e necessária transformação da
universidade que necessitamos.
E quais equívocos foram cometidos?
Devemos ter a capacidade de após todo este processo,
realizarmos uma avaliação crítica de nossos erros, inclusive aqueles
referentes ao nosso comportamento enquanto movimento estudantil. A
crítica e a autocritica não devem ser vistas como algo negativo, mas
como necessárias para avançarmos na organização dos/as estudantes e nas
lutas unitárias, que dialoguem com os desafios do tempo presente.
Esta greve estudantil partiu da necessidade da defesa
intransigente da educação pública. Ela é fruto da expansão
contraditória da educação superior, que possibilitou a entrada de
centenas de milhares de estudantes nas universidades, mas que não foi
acompanhada do investimento necessário para garantir a devida
assistência aos estudantes e a valorização dos profissionais da
educação. Logo, nos levantamos para que houvesse mais investimentos,
melhores condições de trabalho na educação e políticas de permanência
estudantil mais sólidas. Foi uma greve propositiva.
Mas houve movimentações equivocadas, das quais
destacamos duas, por saltarem aos olhos de qualquer militante que estava
construindo esta greve nas bases. O primeiro equívoco cometido
foi a tentativa, fracassada, diga-se de passagem, de alguns setores da
esquerda de elencar o REUNI como principal inimigo da greve. A
realidade, porém, não perdoou este equívoco. Os/as estudantes não
compraram este discurso, muito menos travaram lutas contra o REUNI,
e onde predominou essa linha política, a greve estudantil tendeu ao
esvaziamento. Esses setores buscaram dar uma roupagem para a greve que
no mínimo podemos chamar de surreal, e assim bradavam: “está é uma greve
contra o PNE do governo e contra o REUNI”. Só se esqueceram de combinar
isto com os milhares de estudantes que não compartilhavam desta
análise. Nos locais em que a greve estudantil se massificou e obteve
ganhos concretos, a luta travada pelos estudantes foi mais acertada e
coerente, dialogando de fato com suas necessidades concretas: criticamos
o REUNI e lutamos por um aumento nos investimentos, nas estruturas, na
assistência; não lutamos contra a expansão de vagas.
O outro equivoco é consequência daquela leitura errônea e da necessidade exacerbada de autoconstrução de algumas tendências do movimento estudantil. Trata-se dos rumos que tomou o CNGE
(Comando Nacional de Greve Estudantil). De inicio, o CNGE tinha tudo
para ser uma ótima experiência de unidade, articulação e organização
dos/as estudantes, para irmos às lutas de forma unificada e com direção
coletiva; mas não foi o que ocorreu, e o CNGE perdeu seu potencial
aglutinador. Esta ferramenta esvaziou-se de sentido e funcionalidade,
uma vez que optou pelo caminho do sectarismo e do vanguardismo. Isso se
verificou já na segunda reunião, que ocorreu no Rio de Janeiro, durante a
Cúpula dos Povos, quando o CNGE hegemonizado por setores esquerdistas
(ANEL/PSTU e alguns setores do PSOL), não concordaram em incluir no
calendário de lutas da greve estudantil nacional uma data que foi
proposta pelo CONEG (Conselho Nacional de Entidades Gerais), um dos
fóruns da UNE, que contou com a presença de mais de 300 DCE’s de todo o
Brasil. E qual o motivo? Simplesmente não queriam travar lutas em
conjunto com a União Nacional dos Estudantes, pois isso “legitimaria a
entidade”! Desta forma a ANEL/PSTU e tais setores do PSOL, se isolaram
politicamente no CNGE, e mais que isso, comprometeram uma vez mais a
unidade nacional do movimento estudantil e a capacidade de lutas
massivas.
Uma greve com conquistas reais!
Apesar desses equívocos, saímos desta greve com
conquistas reais para a educação brasileira e o conjunto dos estudantes.
Conseguimos, por exemplo, aprovar na redação final do PNE (Plano
Nacional de Educação), o investimento de 10% do PIB para a Educação, uma
bandeira histórica dos movimentos sociais, que reivindicam uma
universidade verdadeiramente popular, sendo que até 2017, pelo menos 7%
tem de ser investidos. Também obtivemos a criação de uma Comissão
Nacional de Avaliação do REUNI, articulada pela UNE, que será importante
para monitorarmos e pressionarmos o governo para que sejam garantidos
os investimentos em infraestrutura e assistência estudantil.
No plano local também saímos vitoriosos e com
conquistas concretas, pois em muitas universidades os estudantes foram
protagonistas da greve, tirando em assembleias as pautas e
reivindicações locais, negociando e pressionando as reitorias, e saindo
com conquistas importantes.
Desafios pós Greve
Com a greve, ficaram evidentes algumas questões que
precisamos aprofundar o debate e superar: priorizar o trabalho de base, a
organização dos/as estudantes, a formação política, a unidade, as lutas
e o fortalecimento das entidades estudantis para articular e dirigir as
lutas para o próximo período.
A União Nacional dos Estudantes (UNE), que
historicamente cumpriu este papel, durante esta greve atuou apenas
pontualmente. Cabe, portanto, uma crítica à direção majoritária da
entidade, no sentido de que a mesma deveria ter jogado mais peso e dado
mais intencionalidade, articulando os comandos locais de mobilização
estudantil e dirigindo o processo de mobilização nacional. Contudo, como
essa relação de confiança política para uma organização dirigir o
movimento estudantil não vem da noite para o dia, entendemos que a UNE
precisa melhorar sua presença na base, se empenhando para construir e
preservar uma relação de confiança política com as organizações de base
do movimento estudantil.
Concluímos com isso que, ao invés de colaborarmos
para o divisionismo e fracionamento dos/as estudantes ou priorizarmos a
autoconstrução a cima de tudo, nosso principal desafio é disputar e
influenciar a UNE para as lutas sociais. Colocá-la cada vez mais ao lado
dos trabalhadores/as. E essa disputa é necessária que façamos em cada
universidade, colocando nossa energia nos CA’s e DA’s, nos DCE’s,
priorizando o trabalho de base e a unidade nas lutas, e também
participando dos fóruns da UNE como CONEG’s, CONEB’s e CONUNE’s.
Além destas tarefas, temos outras tanto mais
urgentes, que se evidenciaram imediatamente no pós-greve. Devemos lutar
pela aprovação do PNE e dos 10% do PIB para a educação, pela garantia da
reposição de aulas e que o calendário de reposição seja construído em
conjunto com os estudantes, garantindo que nenhum estudante seja
prejudicado com a volta as aulas e não haja perseguição política.
Por fim, é preciso que apontemos para uma luta de
massas, que coloque a educação de nosso país em outro patamar, a serviço
do nosso povo, atenta a seus problemas. Para isso, teremos que acumular
forças para construir um Projeto Popular de Educação.
Juventude que ousa lutar, constrói o poder popular!"
Por Thiago Pará, UFRRJ
Jessy Santos , UFS
e Filipe Rodrigues, UFSJ